"Lutam como crianças"? Guerra na Ucrânia escala

“Às vezes vê-se duas crianças a lutar como loucas. Elas odeiam-se e estão a lutar num parque e tentamos afastá-las. Elas não querem ser afastadas. Às vezes, é melhor deixá-las lutar por um bocado e depois afastá-las.” O Presidente norte-americano, Donald Trump, caracterizou desta maneira a recente escalada do conflito na Ucrânia. Desde domingo, 1 de junho, as autoridades ucranianas já surpreenderam por várias vezes o Kremlin com ataques cirúrgicos e estratégicos dentro de território russo, causando baixas pesadas. A Rússia tem retaliado e prepara uma nova ofensiva para este verão.
Ao mesmo tempo em que se assiste a esta escalada recente na guerra, os dois países têm mantido os canais de comunicação abertos. Na Turquia, dirigentes russos e ucranianos têm tentado chegar a um consenso para alcançar uma trégua de 30 dias proposta por Donald Trump. Contudo, nenhuma das duas partes quer ceder. Limitam-se a tréguas mínimas e a troca de prisioneiros. Sem fim à vista, o conflito arrasta-se há mais de três anos e os recentes desenvolvimentos dos últimos dias indiciam uma intensificação.
Desde que regressou à presidência norte-americana, Donald Trump tinha o objetivo de terminar com a guerra. Porém, a missão tornou-se praticamente impossível. Apoiada pelos europeus e pela generalidade da opinião pública norte-americana (até mesmo entre republicanos), a Ucrânia não está disposta a entregar territórios ocupados pela Rússia. O Kremlin não cede também em nenhuma das suas reivindicações, pretendendo formalizar as anexações no país vizinho, afastando-o de vez da NATO.
???? New footage of Ukraine's Operation Spiderweb has been revealed.
The video shows a truck loaded with modular houses heading out for the operation. pic.twitter.com/Kl9XC54VQL
— UNITED24 Media (@United24media) June 4, 2025
Neste impasse, Donald Trump admitiu até que os Estados Unidos desistiriam de tentar chegar a uma solução de paz. A estratégia parece agora ter-se alterado. Em vez de abandonar por completo a mesa de negociações, o Presidente dos EUA dá sinais de acreditar que Rússia e Ucrânia ainda “têm de lutar mais um bocado”. Nesta situação, Kiev tem aproveitado para expor as falhas de segurança interna russas, ao passo que Moscovo reúne tropas perto da fronteira.
A 1 de junho, a operação Teia da Aranha deu o mote para uma vaga de ataques precisos em solo russo. Usando camiões descaracterizados e drones, a Ucrânia atacou cinco bases aéreas russas e assegurou que destruiu 34% dos bombardeiros estratégicos russos, o que, a ser verdade, trata-se de pesadas perdas para a frota aérea da Rússia. As autoridades ucranianas celebraram a façanha militar e aproveitaram para transmitir a mensagem de que, afinal, ainda “têm cartas” e a guerra está longe de estar perdida para Kiev.
A Rússia avançou com uma “retaliação”. O Presidente russo, Vladimir Putin, avisou o seu homólogo norte-americano, numa conversa telefónica na passada quarta-feira, que teria de responder militarmente à Operação Teia de Aranha. Donald Trump mudou de tom. Em vez de lamentar as vítimas mortais que um ataque destes poderia causar, apenas disse que foi informado, não emitindo juízos de valor. E destacou, na publicação na rede social Truth Social, que o telefonema não “levaria à paz imediata”, apesar de ter sido construtivo.
This will be in textbooks.Ukraine secretly delivered FPV drones and wooden mobile cabins into Russia. The drones were hidden under the roofs of the cabins, which were later mounted on trucks.
At the signal, the roofs opened remotely. Dozens of drones launched directly from the… pic.twitter.com/sJyG3WyYYI
— Maria Avdeeva (@maria_avdv) June 1, 2025
Perante a anuência norte-americana, que também nunca criticou diretamente a operação Teia da Aranha da Ucrânia, a Rússia respondeu esta sexta-feira de madrugada. Moscovo lançou um dos maiores ataques aéreos de sempre em território ucraniano, utilizando mais de 400 drones e 40 mísseis (alguns dos quais de cruzeiro). Morreram pelo menos quatro pessoas e 49 ficaram feridas. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reconheceu que esta foi a retaliação contra os “ataques terroristas” ucranianos. “Tudo o que os nossos militares fazem todos os dias é uma resposta às ações do regime de Kiev, que ganhou todas as características de um regime terrorista.”
Na ótica do Kremlin, a Ucrânia está a transformar-se num “regime terrorista”. Vladimir Putin descreveu, na quarta-feira, o governo ucraniano como “podre” e afirmou que estava a tentar “intimidar a Rússia”. Mas além da operação Teia da Aranha, Kiev avançou com outro ataque numa infraestrutura com especial importância para o Kremlin: atacou a ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia à Rússia continental, e que se transformou num símbolo da anexação daquele território.
Na passada terça-feira, a Ucrânia atacou com o recurso a mais de mil quilos de explosivos a estrutura que sustenta a ponte. Numa “operação que foi preparada durante vários meses”, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) garantiu que, como consequência das explosões, os “suportes subaquáticos dos pilares” ficaram “severamente danificados”. A Rússia rejeitou esta versão e assegurou que a infraestrutura não ficou danificado — estando totalmente operacional e tendo reaberto o trânsito.
???? Ukraine's SBU mined multiple underwater pillar supports of the Kerch Bridge over 4 months and detonated the first (!!) 1,100kg explosive at 4:44am. (2,425 lbs)The bridge, vital for Russia's ability to maintain occupation of the Crimea peninsula, is now in critical condition. pic.twitter.com/JGyoXDELCz
— Igor Sushko (@igorsushko) June 3, 2025
A Ucrânia voltou a atacar solo russo esta sexta-feira — refinarias de petróleo, uma fábrica e uma linha ferroviária em Belgorod. Para os ucranianos, é uma maneira de mostrarem que ainda têm meios de fazer frente à Rússia. Como explicou ao New York Times a analista russa do Instituto para a Guerra Kateryna Stepanenko, os ucranianos estão a “construir um novo tipo de guerra” com ofensivas criativas e fora da caixa. A mensagem que querem transmitir é que “nenhum lugar da Rússia está seguro”.
À BBC, o analista Anatolii Khrapchynskyi sinaliza que as operações lançadas pela Ucrânia desde a Teia da Aranha podem ser um “ponto de viragem da guerra”. “Foi um golpe significativo na imagem da Rússia e nas capacidades da Federação Russa. A Ucrânia mostrou ao mundo que a Rússia é atualmente fraca e não se pode defender internamente.”
Tida em Washington como a parte mais fraca na guerra, a Ucrânia pretende enviar um sinal à administração Trump de que ainda tem “cartas” para jogar, numa alusão às declarações do Presidente norte-americano de que os ucranianos estariam sem cartas e numa posição inferior face à Rússia e que, portanto, teriam de se submeter às exigências de Moscovo. Estes ataques dentro de solo russo são apresentados como um trunfo e podem mudar temporariamente a narrativa do conflito, segundo a CNN Internacional.
observador